Momentos que Inspiram
A vida, o nosso dia a dia, são feitos de momentos. São esses momentos que nos fazem deitar na cama, à noite, e ver o que valeu a pena naquele dia. A nossa tendência (por uma péssima mania cultural) é relembrar o que correu mal, abafando assim os bons momentos. No entanto, a noite de ontem, da minha mãe, com certeza não foi assim. Ela foi dormir triste, depois de várias horas chorando, mas feliz por ter tornado o dia de alguém tão especial e com algo tão simples. E duvido que se tenha lembrado de qualquer outra coisa (e ela trabalha de 10h a 12h por dia).
Hoje cedo, tinha esta mensagem dela:
“Na segunda feira tive um pedido insólito, diferente: acompanhar uma senhora apanhada pela teia do cancro/câncer. Uma familiar de amigos. Sentia-se cheia de saúde e fez exames de rotina em Junho. E estava tudo ótimo! Em dezembro começa a sentir-se cansada e foi fazer exames e, em seguida, é internada! O diagnóstico? Leucemia.
O que me pedem os amigos? Que eu seja psicóloga. E prontamente aceitei. Mas pedem que seja também a mãe da Vânia: “ela gostaria muito de falar com a sua filha” – dizem os amigos.
… E aí fui eu a caminho do IPO (Instituto Português de Oncologia) na terça feira. A última vez que lá tinha ido foi com a minha filha para entregarmos os “Lenços da Solidariedade” para as “carequinhas” em tratamento. E agora, estava a caminho de conhecer uma “bella Italiana”, no serviço de hematologia.
Não posso deixar de reconhecer que o IPO é fantástico, apesar da doença e da invasão de carecas e de máscaras protetoras às doenças e às infeções, cheira-se a paz e a proteção, cheira-se a higiene e a beleza.
A Bella italiana estava a dormir, com máscara de oxigénio e toda ligada a máquinas. Fiz “noc noc” e disse-lhe: “sou eu, a Ana Meira”. E abriu-se para mim um sorriso do tamanho do mundo. Só por este sorriso já valeu a minha visita. – Foi um sorriso para mim e para a Vânia.
Fez questão de ir partilhando com técnicos e parceiras de doença, que estavam e iam aparecendo na sala : “é a Ana Meira! É psicóloga e é a mãe da Vânia, a menina do livro”.
Falou-me dos seus medos, das suas penas, de alguns arrependimentos, da sua bela Itália e da sua linda cidade, Torino – “a mais bela cidade de Itália”, segundo ela.
Falou-me da Vânia e como a queria conhecer.
Dei-lhe sopa, beijinhos e fiz-lhe festinhas, carinhos.
Mas o nível de oxigénio estava a descer. Pediram-me que ajudasse a que ela não se esforçasse, não falasse. E assim o fiz. Sendo assim perguntei:
“Não podes falar, queres que te leia?”
E ela, prontamente respondeu: “Sim por favor. Lê-me o livro da tua filha.”
E durante meia hora li-lhe apenas a introdução, entre lágrimas, emoção e comentários dela: “bello, bello “, “é vero! “. ..
Tive que terminar. Aconcheguei-lhe a cama, dei um grande beijo e disse-lhe adeus, até quinta. Deixei-a para dormir. Estava cansada mas feliz. Mesmo doente e em sofrimento sorriu-me com um prazer indescritível. Saí com pena de me vir embora pois estava a adorar a minha nova tarefa. E quero voltar. Quero ser eu a ler-lhe todo o livro.
Vim com o coração pequeno e com uma “salganhada” de sentimentos entre a satisfação e a tristeza. O meu coração ficou dolorido.
Ao fim do dia a minha bella Italiana teve que ir para os cuidados intensivos. Que triste!
Espero conseguir terminar de lhe ler todo o livro “o Cancro foi a Minha Cura “ da Vânia Castanheira.”
E nós também esperamos!
Um beijo no coração da nossa Italiana.
Lindo!! A sua mãe está triste mas ao mesmo tempo feliz por ter ajudado a italiana. Engraçado semana passada a procura da felicidade ouvi uma frase que agora me fez muito sentido. “Você somente será feliz quando puder fazer algo para ajudar alguém”. Faz total sentido.
Bjs
Que mistura de sentimentos…
Lindo o que escreveste! Falei ontem com tua mãe e é verdade, estava muito triste e ao mesmo tempo muito feliz!É muito bom terminar um dia e saber que fizemos algo de bom! bjs