O dia em que meu mundo girou

Quinta-feira, 21 de Fevereiro de 2013. Este dia, marcou minha agenda e marcou meu coração. Fiquei sem chão, fiquei sem teto e fiquei, também… sem paredes. A minha cabeça entrou num redemoinho desamparado. Foi o dia em que me apercebi que realmente teria que passar por todos os dramas de se ter um câncer. E ao mesmo tempo, conheci o médico, a quem confiei (e confio) a minha vida. Um pilar de conhecimento e sinceridade.

A consulta com o Oncologista, o Dr. Fernando Moura, estava marcada para as 14h e fomos atendidos, eu e maridão, no horário. Primeiro pesei-me e mediram a minha altura. 54kg 1,71m. E depois sentamos na mesa do médico que analisou alguns dos exames que tinha até então (biopsia, anatomopatológico, ultrassom e ressonância magnética). Contei como descobri, quando operei, idade, sem filhos, histórico na família, etc. A “lenga lenga” do costume escutada carinhosa e pacientemente pelo meu médico. Começou por me explicar que eu já não tinha aquele câncer. Estava limpa, na cirurgia ele foi retirado. E fez questão de enfatizar isto. Dali em diante seria eliminar algo que restasse no organismo, pois pode ter acontecido de alguma/as célula/as do tumor ter “caído” na corrente sanguinea ou no sistema linfático. Estas não são detectadas por exames e teríamos que combater para diminuir as chances de vir a ter uma recidiva (o câncer voltar).

Primeiro teria que fazer um exame do tumor, já retirado, chamado Imuno-histoquímica. Este, é um processo para verificar se o tumor tem algumas proteínas (HER2, Ki-67, p53) e se é receptor a alguns hormônios (estrógeno e progesterona). Tem que ser solicitado ao laboratório em posse do tumor e deve demorar 2 semanas a ficar pronto (em outro post desenvolverei os resultados). O meu pensamento? “Porque é que, no hopital, não fizeram logo este exame, assim que me retiraram o”bichinho” e fizeram o anatomopatológico?!”. Pediu também que fizesse um PET-CT. Este permite detectar com precisão outros focos de tumores em todo o corpo (desenvolverei em outro post). Até aqui corria tudo bem. Perguntei, com a minha inocência e jovialidade, como iria ser a minha radioterapia, quando começaria, etc. Aqui começou o drama e o Oncologista, com muita assertividade, simpatia e honestidade, disse-me algo assim: “A radioterapia vai ser depois da quimioterapia. Vânia, apesar de ainda não termos o resultado da Imuno-Histoquímica em mãos, só pela sua idade e pelo seu tipo de câncer, agressivo, tamanho do tumor (mais de 2cm), você vai ter que fazer quimioterapia. A imuno vai determinar se serão 6 ou 8 ciclos e os tratamentos seguintes mas químio você vai ter que fazer e vai ser pesada. Não podemos permitir que ele volte”.

Fiquei muda e por dentro, só dizia “mas mas mas…”. Parecia mentira o que estava a ouvir. Não estava preparada para aquilo. Pensei que já tinha passado a fase dos sustos e de tantas novidades. Ele foi impecável e cuidadoso mas a noticia…foi tipo “hate the message, don’t hate the messenger”! Perguntou-me se pensava em ter filhos. O meu maxilar começou a mexer involuntariamente. “Babies? Sim, claro que quero! Quero agora!” pensava na minha cabeça. O turbilhão de informação foi tanto que tenho certos flashes desta consulta que demorou 2h e sempre com muito apoio do médico. Confiei logo nele. Lembro-me de frases soltas. “Seu cabelo vai cair…suas sobrancelhas….seus cílios…você não vai ter força para nada…sensação de gripe…pode ter menopausa precoce ou ficar infértil (risco de 40 a 60%)…dores no corpo…câncer agressivo…sua idade…vou bater de verdade para “ele” não voltar …químio pesada…ahhhh”. Pensei que iria virar um vegetal durante 1 ano. O médico aconselhou-me a fazer congelamento de óvulos se pretendia ter filhos futuramente (era o caso) e para fazer o mais rapidamente possível pois teríamos que começar a quimioterapia , no máximo, em 15 dias…E disse que nos apoiaria em tudo. Pronto, não aguentei mais…chorei…desabei na frente do médico e do maridão.

Trouxeram-me uma água e me acalmei e só disse: “Se tem de ser, tem de ser. Vamos a isso. Vou fazer tudo o que me mandar. Diga-me tudo, não me esconda nada. Quero estar preparada e bem informada”. Maldito câncer!

_MG_0033-3Foi muita informação, muita novidade e ele sugeriu que refletíssemos e que voltássemos na semana seguinte com mais questões. Pediu que eu, nas minhas pesquisas, não prestasse atenção a algumas informações, tais como uns capacetes que resfriam a cabeça durante a quimioterapia para evitar que caiam os cabelos. Isso pode atrapalhar o efeito dos quimioterápicos no couro cabeludo, ficando assim, mais propenso a desenvolver metástases nesta região. Passou-me as guias paras os exames e lembrou-me que exames e congelamento de óvulos seriam urgentes e teria que marcar “ainda hoje”.

Saí do consultório atordoada mas com confiança no médico. Tentando centrar a minha cabeça para poder organizar as etapas daquele processo. Saí muda. No carro, liguei à minha ginecologista, diretamente para o celular. Só consegui dizer, “Dra Juliana…” e bahhhhh, desabei a chorar. Passei o celular para o maridão pois não conseguia balbuciar palavra alguma. Pedimos indicação de médico de fertilização. O Rodrigo não sabia o que fazer pois nunca me tinha visto chorar assim. Nem deixei que ele me tocasse. Ela retornou a ligação em 2 minutos e fomos ter com o Dr. Fábio Biaggione Lopes. Recompus-me e lá cheguei inteira na consulta.

O Dr. Fábio, um querido, analisou os meus ovários, perguntou quando tinha menstruado a última vez  e disse que já deveríamos ter começado a preparação para a fertilização in vitro há 2 dias. =/ No entanto, eu já estava com bastantes óvulos e poderíamos correr atrás do “prejuízo”. Tinha que ser pois não poderíamos esperar outro ciclo menstrual, já que a quimioterapia teria que começar em 15 dias. O Dr. Fábio e o Dr. Fernando falaram pelo celular e lá chegaram a acordo, quanto às doses hormonais permitidas. Isto porque eu não deveria receber nenhum estímulo hormonal.

Decidimos fazer congelamento de embriões, pois resistem mais ao congelamento e ao descongelamento e também têm chance de dar mais certo (desenvolverei em outro post). Sendo assim, tanto eu como o Rodrigo teríamos que fazer vários exames de sangue (e ele de esperma) e eu teria que começar a tomar um medicamento oral, no próprio dia e, a partir do dia seguinte, teria que aplicar umas injeções a mim própria (ou o marido aplicar em mim – esta parte não deu nada certo mas explicarei porquê em outro post :) ). Eram 17h30 e já estava exausta. Ainda liguei para hospitais para marcar o PET e passei no laboratório para pedir a imuno. Depois pedi ao maridão que me deixasse em casa que eu precisava descansar e não queria falar com ninguém.

Pedi que avisasse a família da minha indisposição. Fechei-me no quarto. Passadas 2h saí outra. Assimilei toda a informação e sai com as forças e energias renovadas. Pronta para tudo! Iria lutar e fazer o que fosse necessário. Não iria desistir de nada (aliás, esta nunca foi, sequer, uma opção na minha cabeça). Até já comecei a pensar nas coisas “positivas”. Consegui “skypar” com a família, falar ao telefone e de sorriso no rosto. Bem que me tentam tirar o sorriso mas não conseguem! No dia seguinte, continuaram as aventuras e até episódios engraçados. Mas, claro está, isto é assunto para um outro post 😉 Ah ah!!!

 

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12 Comentários to “O dia em que meu mundo girou

  1. Laura Lira Maurissen
    27 de agosto de 2013 às 15:28

    Foi pela sua tia Fátima que soube de si, Acabo de ler o que escreveu com tanta coragem e lucidez. Através das suas palavras vislumbro a imensa ternura do seu coração e a sua alegria de viver. Tocou-me profundamente. Acredito que em breve todo este período fará apenas parte de um grande pesadelo na sua vida. Força. Estou torcendo por si.

  2. Alda Nepomuceno
    24 de agosto de 2013 às 15:49

    Minha querida sou amiga dos teus pais e tios, eu e a tua tia Paula fizemos o curso juntas. Conheci-te menina e agora és uma mulher.
    Li a tua história e quero deixar-te uma mensagem de carinho e amizade. Tenta ter sempre
    pensamento positivo e muito amor por tudo e por todos. Beijos, Alda Nepomuceno

  3. anacanomeira
    17 de agosto de 2013 às 10:26

    Esta miúda consegue sempre surpreender-me!

  4. 14 de agosto de 2013 às 18:37

    Cada um tem a sua história, e a vida é feita de capitulos, esse que está a viver agora vai passar como os outros, o livro ainda não acabou. Sou de Portugal de uma cidade muito bonita que se chama Elvas.
    Muita força e que Deus a acompanhe.

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