Moara Sacilotti – Histórias que Inspiram #55

Mulher, Esposa, Administradora e….Piloto de Rally profissional. Aliás, é a única mulher que disputa o campeonato brasileiro de Rally de motos. Como é a vida da Moara que, aos 35 anos, já acumula os títulos de vice-campeã mundial de Rally (2013), tricampeã brasileira de Rally (2014) e algumas vezes vice?Moara kawasaki

1. Como é a sua relação com as motos? Como tudo começou?

Comecei a andar de moto aos 7 anos de idade, por influência dos meus pais – Gilberto, piloto de motocross na época, e Regina a super mãe super incentivadora. Logo que aprendi a pilotar já passei a competir, minha primeira corrida foi numa etapa do Mundial de Motocross em Campos do Jordão, em 1987. Pouco tempo depois, aos 5 anos de idade, meu irmão Ramón já começou a competir também e nunca mais paramos.Moara criança

Desde os 15 anos eu tinha o sonho de ser a primeira mulher a correr o Rally dos Sertões de moto. Em todas as edições eu ficava torcendo para que não aparecesse alguma candidata, e assim que fiz 18 anos tirei a habilitação e me inscrevi na prova. Realizei meu sonho, completei esse que é o segundo maior rally do mundo.

Foi uma prova de muita superação desde a decisão de participar. Muitas pessoas foram contra, diziam que meu pai era louco de me deixar ir, foi difícil conseguir patrocínios, mas não desisti e consegui me organizar para poder participar (e meu pai pegou a moto dele e foi atrás de mim). Já durante o rally, eu não pensava nas dificuldades, nem nas distâncias. Num rally tudo é difícil, cansativo, longe. São em média 500km por dia quase todo o percurso em estradas de terra com muitos buracos, poeira, erosões, pedras, pontes quebradas. Largamos no máximo as 7hs da manhã e chegamos em torno das 17hs. No meu primeiro Sertões teve uma etapa de 900km, pilotando das 04hs da madrugada até as 09hs da noite! Nunca vou esquecer esse dia!

No 8º dia do meu primeiro Sertões, sofri um dos piores acidentes da minha vida, a moto virou de frente e caiu em cima de mim, fiquei sem ar e desacordada por um tempo. Sorte que tinha uma equipe médica exatamente onde caí e fui socorrida rapidamente. Mesmo com uma fratura no ombro, voltei para a prova no dia seguinte! E mesmo pilotando 2 dias com muita dor consegui vencer o maior desafio da minha carreira! Completei meu primeiro Sertões e desde então participo de todos. Até hoje tenho 15 Sertões “na bagagem”, sendo que completei 12 deles.Moara sertoes

2. Como é ser a única mulher a concorrer num esporte “de homens”?

Eu acho muito legal! É um enorme desafio, porque de fato o rally é um esporte de macho (tanto que sou a única mulher que disputa o campeonato brasileiro, nunca houve outra). No começo rolou um certo preconceito, os outros pilotos diziam na minha cara que eu não completaria o Sertões, que eu não andava nada. Eu ficava na minha, fazia meu trabalho. E aos poucos eles foram percebendo que eu não estava lá para fazer graça, estava lá para disputar como qualquer um deles. Aos poucos fui me enturmando e hoje tenho muitos amigos no rally. Todos eles me tratam com muito respeito quando estamos nos acampamentos, e ao mesmo tempo me tratam como mais um piloto quando estamos competindo.

3. Alguma vez pensou em desistir?

Às vezes quando estou pilotando por longas horas e sei que ainda tenho muito chão pela frente, cansada e na poeira, chego a pensar “o que eu estou fazendo aqui de novo nesse sofrimento?”. Mas é um pensamento que passa rápido porque os momentos felizes são muito maiores e gratificantes!

Algumas vezes que me machuquei também pensei seriamente em parar. Mas aí eu penso “ok, vou parar de andar de moto para fazer o que? Saltar de paraquedas? Então se é para correr riscos vou continuar nesse que eu já conheço e amo tanto”.

Muitas vezes eu quis desistir, e a única vez que fiz isso foi no Sertões 2012. Eu não havia me preparado adequadamente e estava sofrendo muito, levando muitas quedas, não conseguia me concentrar na pilotagem e na navegação. Pilotos mais lentos me passavam. Foi péssimo. Abandonei a prova. Me arrependi amargamente mas aprendi 2 lições de uma só vez: treinar mais e não parar!

4. O que a faz continuar? Qual a sua força?

Acho que todas as dificuldades servem para que eu saiba valorizar ainda mais os bons momentos e também para meu próprio crescimento como piloto e como pessoa. Eu escolhi esse esporte, escolhi esse caminho, por mais duro que ele seja eu gosto de estar ali e viver cada momento, cada segundo, transpor cada obstáculo, cada pedra, buraco, salto. Eu amo a corrida muito mais que a linha de chegada! Aliás quando acaba eu já começo a planejar o próximo.Moara sertoes 2

Tem esses momentos que falei de extremo cansaço mas sei que no final de cada etapa ficarei muito feliz e realizada. Costumo dizer que a rapadura é dura, mas é muito doce! Fora o fato de ter minha família sempre me acompanhando, encontra-los nos acampamentos é uma alegria imensa, contar a eles todas as aventuras daquele dia, os rios que atravessei, as ultrapassagens que eu fiz… compartilhar com o Ramon nossas experiências, afinal seguimos os mesmos caminhos “como você passou naquele lugar assim assado?”… ver as belíssimas fotos feitas pelo meu esposo, Rodolfo, e ele sempre diz se eu passei bem naquele ponto onde ele estava fotografando… enfim, para mim no rally pode até ter momentos difíceis mas quase todos são alegres.

Minha força está em amar o meu esporte!

5. Quais os principais obstáculos, na estrada, que já passou?

Nos rallies tudo é difícil. Mas as vezes piora! Já enfrentei trechos de serra com uma poeira muito fina, mais parecida com um talco. Complicado para pilotar porque você não consegue ver o chão onde está passando e muitas vezes existem pedras e erosões escondidas (na linguagem do rally isso se chama “fesh-fesh”), a chance de levar um tombo sério é muito grande, e você também não pode ir muito devagar senão não consegue andar e os outros pilotos vão te ultrapassar e você vai ter que praticamente parar e essa poeira não abaixa nunca… ainda tem o risco de cair no precipício! É uma situação muito comum em alguns trechos do Brasil, especialmente próximos a cidade de Minaçu, em Goiás, onde já passei várias vezes. É terrível!Moara e moto

Também não gosto de pilotar nas estradas asfaltadas, com muitos caminhões e veículos de passeio que não estão no rally. Minha moto não tem retrovisores, nem setas, nem luz de freio, e os pneus de competição não são muito seguros no asfalto. Normalmente vai tudo tranquilo, pois por não ser trecho cronometrado, andamos na velocidade da rodovia, sem pressa. Mas quando anoitece e chove vira pesadelo. Mas sempre penso “está mais perto do que longe”, mantenho a calma e a concentração para não arriscar pois um erro nessas estradas é melhor nem pensar.

6. As motos são uma profissão ou um hobbie? E porque? Qual o cenário do rally de moto feminino no Brasil?

Moara 2013Sou piloto profissional, corro pela Kawasaki do Brasil e tenho patrocínio da Rinaldi Pneus, além de outros apoios. Mas também trabalho na empresa da minha família, e por isso só posso treinar com a moto nos finais de semana. Então, considero as duas coisas! Embora seja piloto profissional, não vivo do esporte. E isso é ótimo para mim, pois o rally é só alegria!

Existem outras mulheres em outras modalidades como motocross e enduro – e essa categoria vem crescendo muito nos ultimos anos, o que é ótimo! Mas acho que por ser muito mais perigoso, o rally não atrai outras mulheres. Sou a única mulher a competir nos rallies no Brasil desde 1998 quando comecei – antes disso não havia nenhuma. Por mim tudo bem, já me acostumei a correr contra os homens!

7. Como é a preparação de uma piloto de rally? Quais os cuidados e exigências físicas e psicológicas?

Faço academia cinco vezes por semana, muito treino funcional, aeróbico, alongamentos e musculação. Tudo com periodização certinha de acordo com as provas que terei pela frente e individualmente, pois é importante que o treinador conheça bem meu esporte. Nos finais de semana faço os treinos com a moto, em pistas de crosscountry, ou longas distancias em estradas de terra pela serra da Mantiqueira. Também faço acompanhamento com nutricionista, nem tanto na questão de ganhar ou perder peso, mas porque se me alimentar adequadamente terei um melhor desempenho nos treinos e competições. Quanto a questão psicológica, é realmente importante não deixar que fatores alheios as competições atrapalhem. Acredito que o principal é manter a concentração, o foco durante os treinos e as provas, e assim não sobra espaço para pensar em outra coisa. Além disso, seMoara e Rodolfo o corpo estiver forte, se eu sei que me preparei para um rally, a cabeça não sofre, na verdade ela só se diverte!

8. Você é casada e seu marido não compete. Como é que ele vê você? Você acha que isso o intimida?

O Rodolfo, meu esposo, anda de moto mas não compete. Como ele me vê é melhor perguntar a ele! Rsrsrs. Mas acho que ele tem grande admiração e sempre me ajuda como pode. Me apoia nas competições, as vezes fotografa, faz o possível para estar junto.

9. Que mensagem deseja passar às mulheres, leitoras do Minha Vida Comigo, mulheres que lutam, no dia a dia, pelo seu “lugar ao sol” e enfrentam várias pedras no caminho diariamente?

Costumo dizer que quanto mais rápido passamos por um obstáculo, menor ele fica! Não dá para parar diante de uma erosão muito grande, por exemplo, e ficar pensando, é melhor acelerar e saltar, quando vê já passou. Acho que isso serve para muitas situações em nossas vidas, as vezes o buraco não é tão grande quanto parece se acelerarmos e seguirmos em frente! Sempre em frente!

Nota – e agora, durante estes dias, a Moara está participando de mais um Rally dos sertões. Pode acompanhar na página dela do facebook: Moara Sacilotti.

 

Siga também:
Instagram e Twitter @minhavidacomigo
Facebook https://www.facebook.com/MinhaVidaComigo
Youtube https://www.youtube.com/user/vaniacastanheira

Escreva um comentário

*